Memórias e Raízes

segunda-feira, junho 29, 2009

EU SOU UM VISEENSE

"EU SOU UM VISEENSE"
- Cerimónia na Câmara Municipal de Viseu em 30 de Maio de 2009.
Apresentação do Prof. Mário Frota na recepção ao curso jurídico da Faculdade de Direito de Coimbra pelo Presidente da Câmara, Dr. Fernando Ruas, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Viseu, em 30 de Maio de 2009, às 12.00 horas


Comendador Luís José de Oliveira
Nasceu em Viseu a 6 de Novembro de 1827.

Embarcou para Moçâmedes, por ordem do Ministro do Ultramar, com mulher e quatro filhos, em 7 de Outubro de 1861, “para vir empregar-se no ofício de tecelão”. Principiou em Março de 1862, os seus trabalhos “com os poucos auxílios que trouxe de Lisboa”. Tinha, então, 34 anos de idade (Ofício n.º 351 da Repartição Civil Distrital, de 8 de Outubro de 1864, dirigido ao Ministro do Ultramar pelo governador Fernando Leal).
Já funcionava no Distrito, mas em circunstâncias muito precárias, uma fábrica de fiação e de tecelagem que pertencia ao súbdito francês Eugénio Wherlin e trabalhava com um só tear, ocupando-se apenas em preparar grosseria de algodão (“o seu proprietário lutava com as mil dificuldades que todos os estabelecimentos novos encontravam num país falto de recursos”). A fábrica de Wherlin manteve-se neste ciclo ainda por alguns anos, pois que a ela alude Ferreira do Amaral, no seu relatório de 1878. Resumia o governador, por esta forma, as condições de trabalho do proprietário da fábrica: “recebia da Europa a matéria-prima, vivendo exclusivamente da diferença de preços dos salários”. E acrescentava: “o movimento da fábrica era assim irregular, e até de resultados problemáticos, tendentes, por isso, a conduzi-la, rapidamente, ao seu termo”.
No entanto, propôs-lhe Luís José de Oliveira fundar em Moçâmedes uma fábrica similar. Como aquele, teve este igualmente de pugnar com dureza pela audácia do esforço, conseguindo-o contudo, mais duradouramente, é certo, mas, por fim, sem possibilidade de continuar do mesmo modo a laboração.

Limitado às circunstâncias, trabalhou, a princípio, com a mulher e dois filhos menores, de 9 e 10 anos. Mais tarde, ajudaram-no quatro libertos que o governador lhe forneceu. Bastante concorreu esta assistência para a fiação e cardação de algodão. Supria assim a falta de fio, de que muito se fazia ressentir a fabricação dos tecidos.

À data do ofício (Outubro de 64), trabalhava já “com dois teares e oito rodas de fiar”, em que empregava (entre pessoas de sua família, libertos e aprendizes), 12 pessoas.

Depois, durante algum tempo, a fábrica conservou-se estacionária, porque o seu proprietário carecia de determinados maquinismos e utensílios. Os maquinismos e utensílios precisos solicitou o governador ao Ministro, em ofício de 22 de Agosto de 1863 para lhe serem fornecidos “sujeitando-se o tecelão a pagar o seu custo pelo produto da sua fábrica”.

Não obstante a reconhecida carência, já a fábrica havia prestado ao Distrito dois bons serviços: o fornecimento de fazendas a quase todas as embarcações de pescas, por não se encontrarem então no mercado outras apropriadas, e o provimento de linhagem de que se serviam os exportadores de algodão, para o expedirem em sacos, visto ter-se, naquele tempo, escasseado o artigo. Nestas verificadas conjunturas, nem as embarcações ficaram privadas das fazendas, nem os algodões deixaram, com risco de dano, de seguir os seus destinos. E era de notar que, no momento, os algodões tinham subido de preço em Lisboa.
Em consequência da privação de apetrechos completos, a fábrica produzia fazendas “de um só tipo”, nem lhe era possível, por aquele motivo, fabricá-las com “diversidade de padrões”.
A acompanhar o ofício remetido, Fernando Leal fez-lhe juntar a nota das máquinas e utensílios de que o industrial necessitava para o vantajoso funcionamento da fábrica.
Parecendo-nos importuna a citação esmiuçada de todos os aparelhos e instrumentos referidos na nota, em face da sua grande extensão, indicaremos apenas alguns: - máquinas de descaroçar, bater, cardar, desengrossar e fiar o algodão; de torcer fios para redes e de fazer cordão e linhas para pesca; um motor, um tear largo para cobertores, etc., etc.
O governador fez ainda juntar ao ofício um requerimento do industrial para serem remetidos os materiais da relação, a fim de poder o proprietário da fábrica “exercer o seu ofício em maior escala, pagando-os ele, depois, a prazos razoáveis”. Despacho do Governador: - “Deve ser atendido o seu pedido porque o desenvolvimento daquela indústria é de conveniência para a colónia”. Nota à margem: “Concordo plenamente”.
Em face do assentimento do Governador e da concordância do Ministro, relativos às pretensões do requerente, é de admitir que Luís José de Oliveira houvesse recebido os objectos requeridos, que muito o teriam ajudado no louvável empenho de aumentar e melhorar a produção. Mas, por terem sido poucos “os auxílios que trouxe de Lisboa” e ponderando, outrossim, a presumível demora na remessa dos maquinismos e utensílios requisitados, pensou o corajoso industrial que um razoável crédito lhe seria de muita utilidade para o desenvolvimento da sua arrojada iniciativa. Probo, conhecedor da profissão e protegido das autoridades, pôde facilmente adquirir o capital de “cinco contos”, com que, de ali em diante, impulsionou activamente os trabalhos da fábrica. Emprestou-lhos um componente da Primeira Colónia, o capitalista Manuel José Alves Bastos.
Animado com este auxílio, Luís José de Oliveira afanara-se, extraordinariamente, no prosseguimento valioso da sua indústria. Ousara até, poucos anos volvidos, sobre a sua chegada, concorrer à Exposição Industrial, realizada, em 1865, no Palácio de Cristal do Porto. Valera-lhe tal ousadia um êxito jubiloso. No livro Visitas à Exposição de 1865, de Joaquim Henriques Fradesso da Silveira, professor da Escola Politécnica de Lisboa e escritor muito distinto, especialmente versado em assuntos económicos (1825/1875), lemos, a pág. 65 do segundo volume, as seguintes palavras de relato e incitamento relativas à comparência de Luís José de Oliveira nesse famoso certame de projecção mundial: “Vieram também de Moçâmedes amostras de fios, grosserias, sarjas, panos tecidos com algodão amarelo, cotins e um cobertor de algodão, produto da fábrica organizada naquele Distrito pelo Sr. Luís José de Oliveira, a quem muitos louvores devemos dirigir por haver fundado naquelas regiões um estabelecimento, a que desejamos longa e próspera vida”.
Na apreciação dos produtos expostos, o Conselho Deliberativo da Exposição Industrial do Porto, resolveu, para lhe recompensar o mérito, conceder-lhe um prémio honorífico, e o Governo do País, reconhecendo-lhe o esforço, conferir-lhe uma distinção graciosa.
No mencionado livro de Fradesso da Silveira, é-nos dado conhecimento de que, pelo colecção do expositor, aprovada e confirmada por Sua Majestade El-Rei, o senhor D. Fernando, augusto presidente da Exposição, lhe foi outorgada medalha de primeira classe pelos excelentes tecidos de algodão, de Moçâmedes. E, no ano seguinte da Exposição, a Portaria n.º 76, de 30 de Abril de 1866 (Visconde da Praia Grande) houve por bem considerá-lo digno da real munificência e agraciá-lo com a mercê de Cavaleiro da Ordem de Cristo.
Luís José de Oliveira foi muito considerado em Moçâmedes, tanto pelo elemento oficial, como por diversas vereações do seu tempo. Costa Cabral chama-lhe: “benemérito cidadão” (relatório de 19 de Junho de 77) e Ferreira do Amaral, “homem digno, por todos os motivos, do melhor conceito” (relatório de 13 de Janeiro de 79). Antes da sua morte, a Câmara Municipal de Moçâmedes homenageou-o por duas vezes, apreciando-lhe os serviços prestados ao Município.

Assim, em sessão de 23 de Novembro de 1881, da presidência de António Acácio de Oliveira Carvalho, a Câmara convindo (lê-se na respectiva acta) que os empreendimentos de manifesta utilidade pública fossem memorados de um modo perdurável, estando neste caso a fábrica de tecidos de Luís José de Oliveira, que iniciou neste Distrito a sua valiosíssima indústria, resolveu que a rua paralela à de Calheiros, e que passa, ao Sul dela, pelo seu estabelecimento, se denominasse Rua da Fábrica. E, quinze anos depois, em sessão de 25 de Novembro de 1896, a Comissão Municipal da presidência de Augusto José dos Reis Figueiredo, “atendendo aos muitos e relevantes serviços prestados ao Município pelo cidadão Luiz José de Oliveira como um dos vereadores que, durante mais de quinze anos quase que em sucessivas Vereações sempre havia mostrado inexcedível zelo, mesmo com sacrifício próprio na direcção das obras municipais, por muito tempo entregues à sua reconhecida competência, resolveu que uma das três ruas que seguem para o Nascente à do tenente Valadim..... se denominasse Rua Luiz José de Oliveira”.
Não obstante a honrosa reputação do seu nome e a firme pertinácia do seu afã, não foi possível a Luís José de Oliveira prosseguir, com a necessária eficiência, as relações contratuais da sua indústria. Desde a instalação, a fábrica de Luís José de Oliveira, contrariamente à de Wherlin, “vivia sobre si e com matéria-prima do Distrito” (Amaral, Relatório).

Em 1865, porém, havia cessado a guerra separatista dos Estados Unidos, que provocara, no Distrito, o aumento da produção algodoeira e, consequentemente, o progresso do movimento exportador. Depois de 1865, mas nos primeiros anos da reconstrução americana, terminada em 1877, a produção e, por conseguinte, a exportação, chegaram a aumentar mais ainda do que no período agudo do conflito; vemo-las, porém, pouco depois, de modo assustador, a declinar precipitadamente. Nestas condições, manter a indústria com a matéria-prima importada da Metrópole, seria economicamente um contra-senso e praticamente uma impossibilidade. Os produtos, caríssimos, como haviam de ficar, com a alta de preços da matéria-prima nos mercados europeus, não seriam vendáveis. Luís José de Oliveira fora, portanto, obrigado a fechar a fábrica.

Após o descanso vertiginoso da produção algodoeira, a fábrica havia sido para Luís José de Oliveira cruz e martírio. Continuou a viver na antiga residência, situada dentro do terreno onde tinha a fábrica. Mas, tendo que renunciar o mister fabril, passou a dedicar-se a outras ocupações em que granjeava, eficaz e dignamente, a subsistência.

As notas do registo municipal, que consultámos, informam-nos que faleceu em Moçâmedes a 15 de Junho de 1908, com 80 anos de idade, vitimado por uma hemorragia cerebral.

A Câmara Municipal de Moçâmedes, em tributo de acatamento à memória de Luís José de Oliveira, prestigiou-se, fidalgamente, fazendo expor, no salão nobre dos Paços do Concelho (não sabemos em que ano), a sua fotografia ampliada.

Luís José de Oliveira, cuja vida representa uma odisseia de lutas, foi pessoa prestimosa, até onde as possibilidades o permitiram, devendo-lhe o Distrito, em períodos difíceis, assinalados serviços.

(A personalidade de que se trata é meu trisavô materno.)


Bibliografia

Manuel Júlio de Mendonça Torres (1974)
O Distrito de Moçâmedes no Ciclo Áureo da Cultura Algodoeira,

Ed. da Câmara Municipal de Moçâmedes, Vol. 2, pp.428-435.
(Texto gentilmente enviado pelo Prof. Dr. Mário Frota. O Comendador Luís José de Oliveira é seu trisavô materno)